segunda-feira, 18 de março de 2013


A conversa partidária do costume…



Em ano eleitoral é natural vermos artigos de apelo voto disfarçados de análises numéricas. Reparei nisso num artigo do Ricardo Fernandes publicado neste jornal em 28/2/2013. É claro que não tem mal apelar ao voto no partido que achamos ser o melhor ou pelo qual temos mais simpatia ou pelo qual fomos eleitos para algum órgão autárquico e gosto sempre de ver uma grande análise numérica que acaba numa sugestão de voto. Só que usar de forma habilidosa certos números para justificar isso é que não fica bem.

Qualquer pessoa minimamente atenta sabe que as dinâmicas demográficas assentam em processos de natureza distinta, que passam pelo dinamismo económico, pela família, pelos estilos de vida, pelas acessibilidades, pela oferta do mercado habitacional, pelas valências na saúde, na educação, na cultura, no desporto, no comércio e etc… Há em todos estes factores, questões de ordem política e de gestão do território que podem obviamente afectar as dinâmicas populacionais, mas a relação entre estas dinâmicas e os vários sistemas (sociais, culturais, económicos e políticos) é obviamente complexa e nem sempre fácil de analisar e descortinar.

Serve isto para dizer que a redução da população residente no concelho é obviamente um fenómeno complexo com várias variáveis nos sistemas enunciados e que não pode ser apenas reduzida à maior ou menor acção do executivo municipal ou então ao dinamismo socioeconómico. É claro que o dinamismo económico de um concelho tem sempre influência na maior ou menor fixação de populações, mas não é o único factor a ter em conta como é evidente para qualquer pessoa atenta. O mesmo se pode dizer em relação à acção da autarquia. Conta em muitos aspectos é verdade, mas há muitos factores que estão para além da esfera de acção política local e que influenciam as dinâmicas populacionais de um concelho.

Em primeiro lugar, uma análise séria e aprofundada sobre este tema tinha que ser feita freguesia a freguesia, pois as razões que levam uma freguesia a perder população podem não ser exactamente as mesmas noutra freguesia. Existem factores específicos em cada uma das freguesias que influenciam essa evolução e que passam pelos vários sistemas referenciados anteriormente e que nem sempre dependem da acção do poder político local.

Depois as comparações com outros concelhos podem nem sempre ser as mais acertadas, pois não passa pela cabeça de ninguém dizer que a Murtosa aumentou a sua população residente graças ao dinamismo económico do concelho ou a grandes investimentos fixadores da população, o que não é claramente o caso, embora tenha aumentado a sua população residente de forma relevante. Já agora, neste contexto, não deixa ser curioso o caso de Albergaria-A-Velha, um concelho conhecido pelo seu dinamismo económico (bem superior ao da Murtosa) e que só aumentou a população residente em 2,5%.

Neste seguimento, qualquer relação entre o aumento da população residente e o dinamismo socioeconómico tem que ser analisada com muito cuidado e bem contextualizada em função de outros factores que podem contaminar este tipo de análises. O mesmo se passa em relação a acção da Câmara.

No caso de Estarreja, parece-me indiscutível, que a Câmara investiu na última década no concelho valores apreciáveis nunca alcançados antes, nem no tempo do PS, apesar de no tempo da gestão socialista a população residente ter aumentado. Convém lembrar aos mais esquecidos que desde 2001 até 2013, o investimento camarário ronda os 67 milhões de euros, sendo uma boa parte deste dinheiro de fundos comunitários, o que não se conseguia sem projectos ou estratégia. Este investimento passou pela educação, pela cultura, pelo desporto, pela rede viária, pela regeneração urbana, pelo ambiente, pela água e pelo saneamento. Ou seja, a Câmara fez o que estava ao seu alcance com os meios financeiros que tinha e é inegável que o concelho está hoje muito melhor do que estava e tem as infra-estruturas básicas de uma cidade média.

É também do conhecimento público, que a própria Câmara apostou num Parque Empresarial que tem hoje 15 empresas gerando algumas centenas de postos de trabalho. É claro que eu gostava que tivesse mais empresas e sei que mesmo assim não impediu a regressão de empresas no concelho e que foi acentuada em Estarreja, afectando a construção, o comércio, serviços e indústria. Mas, mais uma vez, seria interessante analisar a fundo a regressão nos vários sectores da economia local para perceber as causas e que certamente não serão exactamente as mesmas em todos os sectores. E que influência teve a Câmara nessa regressão? O que pode ser apurado a esse respeito? E ainda relativamente ao fecho de empresas, alguém se lembra da última empresa “industrial” com alguma dimensão, ou seja, sem ser do sector terciário, que fechou em Estarreja? Eu apenas me lembro da BAWO e já lá está outra instalada, é certo que de menor dimensão em termos de postos de trabalho, mas talvez o Ricardo se lembre de outra?

Já agora não me parece boa ideia questionar para que serviu o investimento no Parque Empresarial, pois as pessoas não são cegas. Eu sei que o PS local tem feito isso ao longo do tempo (sem apresentar qualquer estratégia alternativa) e eu até percebo a razão, mas basta ver as empresas que lá estão e as pessoas que lá trabalham para ver que o investimento valeu a pena e que é um caminho que não pode ser abandonado no futuro.

É claro que para um partido que está na oposição e que quer chegar ao poder, nada disto interessa, pois o objectivo é sempre desvalorizar o adversário. Também para quem não gosta do actual poder (como parece ser o caso do Ricardo) a estratégia é a mesma. Eu percebo isso tudo, mas que diabo! Não me venham dizer que o concelho perdeu população por falta de investimento da Câmara. Então e Aveiro ganhou população porquê? Pelo grande investimento que a Câmara fez na cidade? Pela excelente rede vária que tem? Pela oferta cultural ou desportiva? Enfim basta viver em Aveiro para perceber que nada disto influenciou o crescimento populacional da cidade e arredores.

É verdade que todos precisamos de fazer uma reflexão séria sobre os números dos Censos ou da regressão económica e apurar ao certo quais são as razões profundas desses números. Eu até gostava de ver uma análise fundamentada sobre o tema ou mesmo um trabalho académico sério que permitisse compreender o que se passou ao certo e relacionar as várias variáveis já enunciadas. Agora querer fazer passar a mensagem que o grande culpado de tudo é a Câmara e a gestão municipal da coligação é algo que não cola bem. É daquela conversa partidária que todos topamos à distância.

Agora, concordo com o Ricardo numa coisa. Cada um deve reflectir bem sobre a realidade e escolher quem desenvolva “acções estratégicas” e projectos “reais e sérios” para o concelho. E lembro a este propósito que o grande projecto “real e sério” do PS nas últimas eleições era uma lagoa gigante no rio Antuã. Espero que o próximo seja um pouco mais “real e sério” e que o Ricardo ajude o PS nesse longo caminho rumo à realidade.

José Matos
(in Jornal de Estarreja, 15 de Março)