A conversa partidária do costume…
Em ano eleitoral é natural vermos
artigos de apelo voto disfarçados de análises numéricas. Reparei nisso num
artigo do Ricardo Fernandes publicado neste jornal em 28/2/2013. É claro que não
tem mal apelar ao voto no partido que achamos ser o melhor ou pelo qual temos
mais simpatia ou pelo qual fomos eleitos para algum órgão autárquico e gosto
sempre de ver uma grande análise numérica que acaba numa sugestão de voto. Só
que usar de forma habilidosa certos números para justificar isso é que não fica
bem.
Qualquer pessoa minimamente atenta
sabe que as dinâmicas demográficas assentam em processos de natureza distinta,
que passam pelo dinamismo económico, pela família, pelos estilos de vida, pelas
acessibilidades, pela oferta do mercado habitacional, pelas valências na saúde,
na educação, na cultura, no desporto, no comércio e etc… Há em todos estes
factores, questões de ordem política e de gestão do território que podem
obviamente afectar as dinâmicas populacionais, mas a relação entre estas
dinâmicas e os vários sistemas (sociais, culturais, económicos e políticos) é obviamente
complexa e nem sempre fácil de analisar e descortinar.
Serve isto para dizer que a redução da
população residente no concelho é obviamente um fenómeno complexo com várias
variáveis nos sistemas enunciados e que não pode ser apenas reduzida à maior ou
menor acção do executivo municipal ou então ao dinamismo socioeconómico. É
claro que o dinamismo económico de um concelho tem sempre influência na maior
ou menor fixação de populações, mas não é o único factor a ter em conta como é
evidente para qualquer pessoa atenta. O mesmo se pode dizer em relação à acção
da autarquia. Conta em muitos aspectos é verdade, mas há muitos factores que estão
para além da esfera de acção política local e que influenciam as dinâmicas
populacionais de um concelho.
Em primeiro lugar, uma análise séria e
aprofundada sobre este tema tinha que ser feita freguesia a freguesia, pois as
razões que levam uma freguesia a perder população podem não ser exactamente as
mesmas noutra freguesia. Existem factores específicos em cada uma das
freguesias que influenciam essa evolução e que passam pelos vários sistemas
referenciados anteriormente e que nem sempre dependem da acção do poder político
local.
Depois as comparações com outros
concelhos podem nem sempre ser as mais acertadas, pois não passa pela cabeça de
ninguém dizer que a Murtosa aumentou a sua população residente graças ao
dinamismo económico do concelho ou a grandes investimentos fixadores da
população, o que não é claramente o caso, embora tenha aumentado a sua
população residente de forma relevante. Já agora, neste contexto, não deixa ser
curioso o caso de Albergaria-A-Velha, um concelho conhecido pelo seu dinamismo
económico (bem superior ao da Murtosa) e que só aumentou a população residente
em 2,5%.
Neste seguimento, qualquer relação
entre o aumento da população residente e o dinamismo socioeconómico tem que ser
analisada com muito cuidado e bem contextualizada em função de outros factores
que podem contaminar este tipo de análises. O mesmo se passa em relação a acção
da Câmara.
No caso de Estarreja, parece-me
indiscutível, que a Câmara investiu na última década no concelho valores
apreciáveis nunca alcançados antes, nem no tempo do PS, apesar de no tempo da
gestão socialista a população residente ter aumentado. Convém lembrar aos mais
esquecidos que desde 2001 até 2013, o investimento camarário ronda os 67
milhões de euros, sendo uma boa parte deste dinheiro de fundos comunitários, o
que não se conseguia sem projectos ou estratégia. Este investimento passou pela
educação, pela cultura, pelo desporto, pela rede viária, pela regeneração
urbana, pelo ambiente, pela água e pelo saneamento. Ou seja, a Câmara fez o que
estava ao seu alcance com os meios financeiros que tinha e é inegável que o concelho
está hoje muito melhor do que estava e tem as infra-estruturas básicas de uma
cidade média.
É também do conhecimento público, que
a própria Câmara apostou num Parque Empresarial que tem hoje 15 empresas
gerando algumas centenas de postos de trabalho. É claro que eu gostava que
tivesse mais empresas e sei que mesmo assim não impediu a regressão de empresas
no concelho e que foi acentuada em Estarreja, afectando a construção, o comércio,
serviços e indústria. Mas, mais uma vez, seria interessante analisar a fundo a
regressão nos vários sectores da economia local para perceber as causas e que
certamente não serão exactamente as mesmas em todos os sectores. E que influência
teve a Câmara nessa regressão? O que pode ser apurado a esse respeito? E ainda
relativamente ao fecho de empresas, alguém se lembra da última empresa
“industrial” com alguma dimensão, ou seja, sem ser do sector terciário, que
fechou em Estarreja? Eu apenas me lembro da BAWO e já lá está outra instalada,
é certo que de menor dimensão em termos de postos de trabalho, mas talvez o
Ricardo se lembre de outra?
Já agora não me parece boa ideia
questionar para que serviu o investimento no Parque Empresarial, pois as
pessoas não são cegas. Eu sei que o PS local tem feito isso ao longo do tempo
(sem apresentar qualquer estratégia alternativa) e eu até percebo a razão, mas
basta ver as empresas que lá estão e as pessoas que lá trabalham para ver que o
investimento valeu a pena e que é um caminho que não pode ser abandonado no
futuro.
É claro que para um partido que está
na oposição e que quer chegar ao poder, nada disto interessa, pois o objectivo
é sempre desvalorizar o adversário. Também para quem não gosta do actual poder
(como parece ser o caso do Ricardo) a estratégia é a mesma. Eu percebo isso
tudo, mas que diabo! Não me venham dizer que o concelho perdeu população por falta
de investimento da Câmara. Então e Aveiro ganhou população porquê? Pelo grande
investimento que a Câmara fez na cidade? Pela excelente rede vária que tem?
Pela oferta cultural ou desportiva? Enfim basta viver em Aveiro para perceber
que nada disto influenciou o crescimento populacional da cidade e arredores.
É verdade que todos precisamos de
fazer uma reflexão séria sobre os números dos Censos ou da regressão económica
e apurar ao certo quais são as razões profundas desses números. Eu até gostava
de ver uma análise fundamentada sobre o tema ou mesmo um trabalho académico
sério que permitisse compreender o que se passou ao certo e relacionar as
várias variáveis já enunciadas. Agora querer fazer passar a mensagem que o
grande culpado de tudo é a Câmara e a gestão municipal da coligação é algo que
não cola bem. É daquela conversa partidária que todos topamos à distância.
Agora, concordo com o Ricardo numa
coisa. Cada um deve reflectir bem sobre a realidade e escolher quem desenvolva
“acções estratégicas” e projectos “reais e sérios” para o concelho. E lembro a
este propósito que o grande projecto “real e sério” do PS nas últimas eleições
era uma lagoa gigante no rio Antuã. Espero que o próximo seja um pouco mais
“real e sério” e que o Ricardo ajude o PS nesse longo caminho rumo à realidade.
José Matos
(in Jornal de Estarreja, 15 de Março)